quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Só ama quem educa, e só educa quem ama.


“Só ama quem educa, e só educa quem ama”

Escrito por: Iolanda Veríssimo

Com os depoimentos e revisão de: Mário Cordeiro, Pediatra.

Em entrevista à Nove Meses, o pediatra Mário Cordeiro explica como o afeto e a educação são parte do mesmo ato de amor.

“Só ama quem educa, e só educa quem ama”
O livro de Mário Cordeiro Educar com Amor acompanha os pais naquela que o autor considera uma das tarefas mais exigentes da parentalidade: educar. É natural que a palavra desperte tantas perguntas como convicções e que se faça rodear de iguais receios e expetativas. Por isso, em Educar com Amor, os termos educação e aprendizagem vêm quase sempre lado a lado. O desafio é que, em conjunto, os pais estejam conscientes desta relação desde o primeiro dia. No livro, que também é um guia, os conselhos partilhados pelo pediatra transportam as histórias de vida com que se deparou ao longo da sua vasta experiência profissional. Lembrando que «educar é um ato de amor», Mário Cordeiro percorre as dúvidas e inquietações de muitos pais empenhados em ensinar, mas sobretudo, em ver os filhos crescerem felizes.
Porque é que os pais devem ter esta perspetiva de educar com amor?
Porque apesar de amar e educar (ou ensinar e aprender, se quisermos) serem parte do mesmo e indissociáveis, ainda há pessoas que pensam estar a falar-se de coisas opostas, como se educar fosse uma manifestação de desamor. Só ama quem educa, e só educa quem ama. Pretender amar sem educar leva a laxismo, omnipotência e crianças narcísicas, pretender educar sem amar levará a rigidez, revolta, injustiça.
Quais as qualidades humanas que os pais devem transmitir aos filhos?
Amor, afeto, ética (noção clara do Bem e do Mal), empatia, solidariedade, humanismo, frugalidade, cultura, gosto pela criatividade e pela arte, desenvolvimento dos talentos, coragem,dignidade, amizade, humildade, partilha, altruísmo, autonomia, responsabilidade, rigor, expressão organizada dos sentimentos, gosto pela liberdade e rejeição da violência, do despotismo, negligência, vingança, injustiças, sadismo, ciúme, mentira…
Porquê e como é que os pais podem ensinar ética às crianças?
Ética é a diferenciação entre o Bem e o Mal. Os nossos comportamentos têm de ser balizados, porque – apesar de ser uma frase muito usada e, portanto, porventura um lugar comum -, os nossos direitos acabam no momento em que espezinhamos direitos de outros. Primeiro, passada a fase do «quero e (julgo que) posso e mando», com o bebé centrado em si mesmo e pensando que o mundo gira à volta do seu umbigo, têm de ser os “polícias” externos (pais, família, educadores, adultos em geral, sistema de normas e leis) a estabelecer os limites e as regras dos comportamentos. Mais tarde, será o próprio, ou o seu Superego, a controlar o nosso Id, ou pulsões, quando elas podem, se se traduzirem por acções, transformarem-nos em pessoas piores.
Como se ensina uma criança a ser alegre?
Mostrando amor e alegria, fazendo-lhe ver, desde o primeiro momento, o lado bom da vida, não se vitimizando (os pais) mas sim revoltando quando se sentem injustiçados, mas com contenção, e cultivando a frugalidade e o humor. Frugalidade é diferente de pobreza: nesta, a pessoa não tem posses para ter bens. Na primeira, a pessoa tem posses mas dispensa bens que sente como desperdício ou redundâncias, ou meras modas e show-offs. Cultivar o humor, não dando ênfase a tudo o que acontece e relativizando as coisas, é uma boa oportunidade de aprender a ser alegre, bem como ser simples e ter um plano B (ou C ou D, ou até qualquer letra do alfabeto) para quando as coisas correm mal no plano A. Também ajuda não atirarmos para cima das crianças problemas que só devem respeitar aos adultos, até porque a possibilidade de intervenção das crianças é nula, mas isso não obsta a que as crianças, a pouco e pouco, não vão entendendo melhor o mundo dos adultos e, até, a partilhar momentos de alegria e de sofrimento da família. Mas só se conhece a alegria quando se viveu a tristeza, e estar triste é um direito e uma necessidade, até em termos criativos.
Que funções devem assumir os pais na formação da personalidade e da auto-estima dos filhos?
Devem ser modelos, exemplos, condutores, sobretudo nos primeiros anos de vida, embora as crianças não sejam uma mera repetição dos pais nem estes podem ter veleidades de os querer fazer à sua imagem ou moldá-los segundo aquilo que gostaram de ser ou evitando que façam aquilo que detestaram. De nada serve bombardear uma criança com noções abstractas, como respeito, se na prática o que ela vê é os pais não darem os bons-dias aos vizinhos, hipercriticarem tudo e todos, não auxiliarem quem precisa porque vem carregado com sacos do supermercado, não aguentar a porta aberta para a pessoa de mais idade que demora mais tempo a chegar, ou dizer impropérios ao peão que, simplesmente, está a passar na passadeira. 
   Por outro lado, desdenhar constantemente, estabelecer metas inatingíveis, exigir «quadros de Honra» e coisas absurdas como essa e humilhar a criança para se sobressair, nunca regateando um responso mas sendo parco nos elogios, não contribuirá para que a criança goste de si mesma, sentindo-se feia, ridícula e má.
   É grande a nossa responsabilidade e são grandes os nossos deveres, paralelos aos direitos sobre os nossos filhos, mas são grandes também os graus de liberdade para podermos ter – com crises, troikas e o que for, pelo menos para a ainda maioria das pessoas – uma vida simples, alegre, divertida e feliz. 
   O ser humano é, ainda (e esperemos que sempre) o elemento mais catalisador da pessoa, o melhor brinquedo da criança e o afago e resíduo de amor que poderemos ter. Aproveitemos este «património imaterial e material da Humanidade»!
Mário Cordeiro é um dos pediatras mais reconhecidos em Portugal. Pai de cinco filhos, escreveu várias obras dedicadas aos pais e educadores, aliando a sua formação como médico pediatra aos vastos conhecimentos que tem nas áreas da Psicologia, Sociologia e Antropologia. Entre os seus livros mais conhecidos estão "O Grande Livro do Bebé", "Dormir Tranquilo" e "1333 Perguntas para Fazer ao Seu Pediatra". Doutorado em Pediatria, foi professor de Saúde Pública na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e é membro da Sociedade Portuguesa de Pediatria e da British Association for Community Child Health.



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